Violência ao Feminino: Vítimas e Carrascos



Trabalhei um tempo com mulheres que apanham dos maridos. Acompanhei muito de perto a dor, a violência, a fragilidade. Muitas vezes fiquei indignada e odiei aqueles homens machões e descompensados abusando das mães de seus próprios filhos, investidos da força física, atributo do masculino.

Nada, porém me mobilizou tanto quanto perceber que algumas delas não queriam livrar-se dos maltratos, ou pelo menos assim me parecia. Muitas vezes ainda com as marcas da agressão, estampadas no rosto, hematomas nos braços, ao receber a visita do Oficial de Justiça, com mandado de separação de corpos, elas argumentavam que haviam se reconciliado, que o cara não era de todo mau, a bebida era a responsável, ele estava desempregado e nervoso. Sabe, como são os homens, algumas diziam.

Não, eu não sabia. Não sabia que havia motivos que justificassem a gente ser saco de pancada. Não sabia e não concordava. Que diabo acontece com essas mulheres, eu me indagava? Como pode alguém gostar de sofrer! Como pode alguém viver dessa maneira.
Investida do poder de criticar os outros sem parar para pensar eu me achava uma autoridade em entender, e eu entendia que essas mulheres que apanham não têm amor próprio e de um jeito que nem eu mesma queria admitir, eu as desprezava.

Custou tempo para que eu percebesse que existem mulheres que não apanham fisicamente, mas apanham psicologicamente, mulheres que vivem infelizes emocionalmente, mulheres que vivem casamentos sem cor, sem emoção, sem carinho, vivem em um simulacro de vida. Existem mulheres que estão famintas de energia, que estão famintas de atenção. Apanham sim, todos os dias. Isto pode ser até pior, pois ninguém vê as marcas, que vão se acumulando. A própria mulher não vê. Quando acorda o tempo já passou, já não há mais força, nem impulso para mudar ou fazer algo diferente. A mulher vem morrendo aos poucos, lentamente por falta de amor e alegria.

Então ao perceber isso fiquei estupefata e de novo me perguntei: O que leva alguém a se deixar morrer? A viver sem felicidade? A abandonar-se à deriva?  A se deixar espancar física, moral e emocionalmente?

Em meu trabalho com mulheres pude observar que em pleno século XXI há muitas mulheres que têm medo de ficar sozinhas, mulheres que ainda acham que estarem separadas lhes confere um status depreciativo, mulheres que são dependentes completamente e financeiramente dos maridos, mulheres que consideram a separação um fracasso.

Mulheres que gostam de sofrer, pois de alguma forma ainda se identificam como culpadas, afinal, não foi Eva que tentou Adão e o fez comer do fruto proibido? E isso não levou à perda do Paraíso? Parece brincadeira, mas não é. A culpa é algo transcendental, antigo, que repousa em algum lugar no longe. Não identificada é perigosa, pode levar à vitimização. Com certeza é este um dos motivos, embora pareça algo "non sense". O fato é que nossas crenças ficam guardadas em baús fechados, mas passíveis de se abrirem, conforme o gatilho acionado.

O mundo muda, a caravana passa, como diria, se não me engano, Mario Prata, mas se não prestamos atenção, investimos energia em antigas crenças, que já não servem mais e as vestimos novamente. Em tempo novo, vestimos roupagem antiga. Temos ferramentas novas, mas não podemos utilizá-las, pois estamos apegados a algo que não tem mais valor. Nem mesmo podemos fazer como Homer Simpson: colocar a culpa em quem quisermos, pois se é nossa podemos colocar onde quisermos.

Assim, reviso minha opinião sobre as mulheres, reviso minhas opiniões sobre os homens também.  Reviso todos os dias. Já não julgo mais. Posso não concordar, mas não julgo. Todo mundo tem motivo para fazer o que faz. De longe podemos enxergar a solução, afinal não é conosco! Sigo olhando minha própria cauda, lavando meu telhado de vidro e pedindo a Deus que me ajude a entender melhor quando sou carrasco e quando sou vítima.

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