Puxa! Só um milagre...



Minha amiga tem um filho com o qual não se dá. Sabe-se lá o porquê. Suas peles não combinam. Se uma fala abóbora o outro fala batatinha e se tentam se entender é como riscar fósforo em papel fino. A coisa vai crescendo, a dor vai se apoderando dos dois. E, como nada dá certo mesmo, ela lança mão de uma frase: só um milagre pode mudar esse menino.

Minha outra amiga tem um marido que não gosta de conversar; ela, como quase toda mulher, adora discutir a relação e nesse tal de um querer falar e o outro não querer ouvir, a relação está ficando insuportável. Ela me confessou outro dia que: “só um milagre pode mudar esse homem”.

Bem, é de conhecimento de todos que desde os idos de 1808 este País Tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza, é chegado a certas, digo, a várias falcatruas. Pois é. Muita gente acha que para dar jeito nisso só um grande milagre.

A educação anda uma caca. Todo mundo sabe disso. Basta dar uma olhada no nível dos alunos, dos vestibulandos, daqueles que prestam exame na Ordem dos Advogados. Sem falar nessa estranha coisa chamada valor humano. Então, a coisa está tão caótica que já se fala também em milagre para salvar a educação.

Daí, fiquei matutando se o vocábulo milagre não passou a designar: coisa que não tem jeito mais.

Afinal de contas, se ficamos pasmados e petrificados por nossos desdouros e não encontramos nada a fazer senão pedir a intervenção de algo de fora, então a tempestade está formada de verdade, com direito a nuvens negras, raios e trovões.

Para mim o milagre provém da divindade, é algo que se sobrepõe ao natural, é algo que obtemos como prêmio. É tudo isso, mas ele não vem assim gratuitamente, sem que movamos uma palha. Se ficamos esperando uma intervenção do céu, repentina, que resolva nossos problemas, um tal de milagre infalível que vai nos salvar como o super-homem e sua visão de longo alcance, e suas mãos protetoras que nos arrebatam em pleno ar, estamos fadados a nos decepcionar.

O milagre, a meu ver, é um merecimento, que alcançamos através de trabalho, de ação, de busca pelo que queremos. Como todo merecimento é preciso que haja um objeto a ser merecido pelo qual devemos lutar.

Pode ser uma qualidade a ser desenvolvida ou a ser burilada, uma emoção a ser entendida e contornada.

Se ao nos desentendermos com nossos filhos, pudermos buscar em nós o que nos irrita neles. Se pudermos nos perdoar pelos sentimentos que eles nos provocam. E, se pudermos perdoá-los porque não conseguimos entendê-los e, se em não conseguindo nos perdoar, nem a eles, pudermos acolher nossa frustração, encontrando na vida outras coisas que nos fazem bem, então está tudo certo.

E se ao não conseguir dialogar com nossos maridos, pudermos entender nossas inseguranças e carências e tentarmos separar aquilo que nos é devido daquilo que não nos cabe. Se tivermos compaixão por nós mesmos e pelos parceiros que escolhemos, então está tudo certo.

E, se ao invés de pensar, no mar de corrupção em que estamos chafurdados, começarmos a retirar de nós a anestesia, como disse, em recente entrevista a cineasta Carla Camurati. O que significa sentir. Deixar-se emocionar e botar a boca no mundo. Apontar o que julgamos errado. Pautar nossa vida pelo caminho do que julgamos correto. Começar a agir e fazer bons filmes e levar boas coisas às crianças e aos adultos também, que tanto carecem delas. Então, está tudo certo.

E se começarmos por educar a nós mesmos, no sentido de trazer de dentro o que de melhor nos habita, utilizando para isso a beleza que nos cerca e que se nos impõe todo tempo através de músicas, leitura edificante, pinturas, cenas da natureza, gestos de crianças, atitudes de pessoas solidárias.

Todas essas opções que nos fazem agir para melhorar nossa vida, afastando-nos do modelo de vítimas de um destino desalentador, nos aproximam do milagre. Fazem com que sejamos merecedoras dele. Aí, sim, os Deuses nos presenteiam, depois de terem exigido de nós que tenhamos dado o nosso melhor.

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