Coragem Doente



Todos temos medo. Medo de coisa pequena, medo de coisa grande, medo de coisa conhecida, medo de coisa desconhecida. O medo é companheiro quando nos livra de desastres, quando nos impede de fazer grandes bobagens, quando nos alerta para o que pode ser prejudicial.

O medo é inimigo quando nos impede de viver e de aproveitar as delícias da vida. O medo tem cura, e a cura se chama coragem. Coragem, porém, pode ser boa e pode ser ruim. Coragem pode ser remédio e pode ser veneno. Coragem pode ser o medo transformado para não dar bandeira. Daí a coragem a meu ver pode ser pior que o medo.

Parece maluco pensar assim. Nem tanto. Vejam, se alguém tem medo de fracassar, medo de ser rejeitado, pode ficar no medo e não se arriscar a nada. É muito ruim, mas pior seria se o medo fosse mascarado e tal pessoa resolvesse vestir a máscara da coragem. Resolvesse parecer forte e destemida. Resolvesse se revoltar e elegesse o poder sobre os outros como arma para vencer temores próprios. Destemor e força seriam capas, vestes emprestadas para que não fosse revelado o medo enorme guardado em lugar profundo. Quando penso nos ditadores, especialmente naqueles que se destacaram pela ferocidade só consigo enxergá-los como meninos brincando de guerra, imbuídos de serem Deuses, aparentemente fortes durante o dia e a enfrentarem terrores internos em função de precisarem manter o poder. Homens de coragem má, de coragem-veneno. O poder mal dirigido pode gerar essa coragem demoníaca ouviram falar de Idi Amim Dada, o ditador africano de Uganda, responsável por assassinatos em massa? Estima-se que entre 100 mil e 300 mil ugandenses tenham sido torturados e mortos durante o seu regime. Quando se apresentava em público, sua estatura, seu porte, seu discurso passava a ideia de um homem intrépido a que nada metia medo. Ledo engano. Idi Amin era presa de pesadelos e sua crueldade estava a serviço de sua insegurança. No filme O Último Rei da Escócia, o ator Forest Whitaker faz o papel de Idi Amin e passa exatamente essa impressão de alguém medroso que quer meter medo e comete as piores atrocidades.

Hitler, responsável por uma das maiores catástrofes da estória, dono de carisma capaz de mobilizar multidões, pessoalmente era um homem pequeno, com seu bigode ridículo. Conta-se que ele acordou uma noite tremendo convulsivamente de medo. E que gritava que havia alguém no quarto e falava palavras estranhas. Seu acompanhante não se conformava de ver O Führer, homem de tal poder, dominado por um pesadelo. A estória está lotada de casos assim. Creio que seria interessante que prestássemos muita atenção não só naquelas crianças que têm tendência a serem dominadoras e cruéis, mas também naquelas com tendência a serem covardes. Aquelas que parecem ter o rabinho entre as pernas. Interessante é notar que a palavra covarde vem do francês couard que tem a ver com o orifício, existente na parte posterior da foice onde se encaixa o cabo de madeira. Couard tem outros sentidos, mas a maioria gira em torno de buracos e orifícios que ficam atrás. Coisas escondidas têm a ver com a covardia. A covardia, então, nem sempre leva o indivíduo a recuar. Pode levá-lo a retirar de “buracos escuros” coragem doente, coragem para prejudicar pessoas. A INTREPIDEZ, A BRAVURA, A OUSADIA QUE SÃO SINÔNIMOS DE CORAGEM PODEM ESTAR A SERVIÇO DE ALGO QUE CORROMPE E DESTROI.

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