O coelho diferente



O coelho tinha orelhas douradas e olhos verdes. Adorava tomar banho e muitos, pois não lhe agradava o cheiro de xixi. Quando nascera havia dado um belo desgosto para sua mãe: aquele coelhinho amedrontador com olhos imitando o mar.

Aos poucos com sua aparência se acostumaram, mas não dava para entender sua paixão por higiene. Assim que ficou maior atirava-se desesperado nas poças d'água, lavava-se onde pudesse e chorava muito se queixando do cheiro dos pais e dos irmãos.

A mãe muito gostaria de amá-lo, mas não conseguia. O pai chegara até a desconfiar de traição, mas não havia nenhuma espécie por perto parecida com aquele coelhinho estranho e amigo de banhos. Os irmãos riam dele, mas não lhe batiam: uma pequena inveja lhes vinha, às vezes!

E foi crescendo o coelho, ao sabor de suas diferenças, e ao sabor do incômodo, se sabe, as diferenças provocam.

Tinha personalidade o coelho e assim que pode, procurou lugar próprio, trabalhava em um circo como raridade, seus grandes olhos verdes foram motivo, para que o dono do circo, gordo, de olhos muito vermelhos e sempre cheirando à urina lhe imputasse a fama de ser vidente. O coelho era bom em observar pessoas e logo dizia a respeito delas coisas bem mais certas que se tivesse o auxílio do Deus dos Coelhos.

O coelho gordo não lhe pagava mal e além de tudo lhe permitia tomar banhos diários, o que era por demais satisfatório. Tinha um quarto bem limpo para ficar e não precisava ficar muito tempo perto dos não cheirosos.

Faltava-lhe, porém, um amor. Mas como amar as coelhinhas, se não podia sequer lhes sentir o cheiro? Ademais, tinham elas muito receio daqueles olhos marítimos e mais receavam ainda aquela limpeza exagerada.

O coelho resignou-se a ser só. Dizem que viveu muito, economizou um bom dinheiro para ter sua casinha. E, luxo maior, comprou uma bela banheira onde se refestelava duas vezes por dia.

Quando se foi para o País dos Coelhos, se é que foi para lá, seu corpo muito limpo foi enterrado em caixão branco, com almofadas vermelhas e macias. Ao enterro compareceram poucos coelhos, mas dois ou três eram amigos de verdade e choraram verdadeiramente sua partida. Quase ao acabar o velório, uma gata, já idosa, porém muito limpa acercou-se do falecido e chorou discretas lágrimas de tristeza.

Nenhum comentário:

Postar um comentário