Gato de Pelo Dourado



Crônicas sinestésicas

Gato de pelo dourado é um livro de crônicas e como tal trata do cotidiano, observado por bons olhos, colocado no papel por quem maneja as palavras e pronto! Pronto nada.

As crônicas de Heloísa não são só retratos da vida. Com isso quero dizer que não são apenas relatos em que enxergamos o que se passou através dos olhos da autora.  Enxergamos, sim, porém, mais que enxergar, sentimos. A começar pelo título: Gato de Pelo Dourado. Eu enxergo o gato dourado e posso sentir seu pelo macio. E corro a ler a crônica de mesmo nome, antes de todas, para sentir a penugem do gato. Descubro: é seu querido neto que tem olhos e ouvidos abertos para o entorno. Que faz travessuras e gostosuras. Travessuras gostosas e “preenche a sensação de que tudo vale a pena.”

Sensação sentida continuo a navegar pelo livro: encontro uma rua que era gostosa, um perfumado manacá, reminiscências de grapete, pura uva, geladinha! Depois faço um passeio pelo Teatro Pedro II, pelo Palace Hotel, conheço um pouco dessas estórias, sigo gulosa como a escritora e vou como ela comendo a estória. Então mergulho em um universo olfativo e em minha língua sinto o sabor de um especial pastel.

Continuo e me identifico com o “Tempo de ser Mãe” e sinto as dores como se minhas fossem, pois toda mãe é igual em seu desejo de proteger seus filhos. E sinto a felicidade de ser bonita através do tesão pela visa (Mudando tudo). Rodopio pelo salão, ao som de músicas (“Quem disse que não sei dançar?”) e gosto da mulher que é incitada pela terapeuta a seguir em frente, “invertendo a corrente”. Emociono-me com a percepção modificada da mulher frágil e forte em “Presa na Teia.”

Em “De cabeça com Cuidado” enxergo e sinto a dificuldade de lidar com as emoções e gosto da receita de comedimento, porém sem covardia. Também penso que pedir e cobrar é uma questão de amizade e fico sentindo pelas vezes que não soube pedir (“Pedir e Cobrar, uma questão de amizade”). Questiono quantas vezes apreciei as alegrias pelo caminho em (“Ser Feliz, ora...”). Provoco os Natais de minha vida e tenho vontade de dar presente bonito e que fale ao coração fora da data natalícia (“O Natal se precipitou?”). Adoro a ideia de saborear momentos e gritá-los em voz alta para todo mundo ouvir (A Tirania do Relógio). Penso que tem hora em que preciso abocanhar a vida sem dor de consciência (Espontaneidade). Quero mais do que depressa sair, andar e sentir a vida de meu jeito (A vida do seu jeito). Em “Do Julgamento” fico alerta para o fato de que o mundo é o que eu penso que ele é e fico sentindo leve remorso pelas vezes em que julguei as pessoas pelas minhas próprias opiniões. Em “Sonhar e Viver” sinto pena pelos jovens que têm gigantesca fome de sonho e que recorrem às drogas. Em “Tempo de renascer” digo-me: também acredito que a vida é algo para ser sentido mesmo quando sofremos revezes. Em “Nada menos que a perfeição” reitero a ideia de que a vida deve ser aproveitada.

Em “Piano de Cauda e Rosas Vermelhas” conheço a possibilidade de retornarmos a nossa essência através da estória da mulher que resgata e se harmoniza com o universo. Em “Com as mãos, pegando a vida.” Leio a homenagem a nossa amiga em comum, Jair Ianni, e sinto o cheiro do pão e do café, do chá perfumado, vejo as toalhas coloridas, vejo a anfitriã pequenina e forte. Em “Paloma” eu choro pela mulher que “empurra dia e noite as ondas pelo oceano afora”.  Em “Cumbica” retomo a confiança no ser humano e me entristeço porque somos seres de perdas. Em “Sorriso no Contrabaixo”, “as cores vêm à tona em forma de música”. Em “Ave Maria, na Praça XV”, “a música limpa a alma da poeira cotidiana”. Em “Vai um livro aí, moço?! Sinto as delícias de gostar de ler e de adentrar esse universo de desvelamento. Em “Encontro no Café!” recordo pequenos prazeres. Como é bom estar apaixonado pela vida. Como é bom estar encantada, presa de sensações! Em “A vida passa na janela” enxergo velhinhas felizes, velhinhas que guardam no coração e na memória o bom de ser contado. Em “Ifigênia, doce de coco.” tomo conhecimento de uma linda estória de amor e de uma protagonista velhinha e encantadora, apreciadora de sorvete. Em “Tentação” sinto Afrodite e seu domínio: o do prazer momentâneo e intenso. Em “Um Gesto tão Simples” visualizo a menina pobre e o rapaz bem-sucedido em um encontro fugaz, mas intenso: momento de união e de oferta. “Deus-Sol” desperta minha alma de poeta e também tenho vontade de dançar na praça e de abraçar árvores. “Pipas do Gregório” extasia meus olhos e meu coração. Ah! A sabedoria da velhice deve ser isso: o ato de doar, de enfrentar a beleza, de permitir que as pessoas sonhem e se baloucem ao vento! Em “Onde andará Carlos Alberto” fico com vontade de cobrar da autora: Vamos dançar juntas, descalças e de saia rodada, no meio da rua?

Então chegam as crônicas de saudade. Não menos intensas, provocam lágrimas, dor, mas provocam também, recordações de encontros, para compartilhar alimento, o que serve ao estômago e o que serve à alma, encontros para apreciar a arte, encontros clicados pelo olhar observador e pelo coração de Heloisa Bolelli. Encontros repletos de sensações. Encontros sinestésicos.

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