Sem culpa



Não gosto dessa palavra. Acho-a forte demais, prepotente e implacável. Soa como um veredicto do qual não podemos escapar. Se somos culpados, transgredimos de alguma forma, fomos negligentes, imprudentes, cometemos crimes. O problema é que ao apontarem suas falhas e delitos e ao falar de culpa, as pessoas parecem afastar de si toda esperança. Talvez seja, e tendo a achar que é, porque ao falar de culpa não podemos deixar de pensar em Adão e Eva, expulsos do paraíso, afastados do Jardim das Delícias- o Éden, por terem provado do fruto do conhecimento. Dois culpados principais se apresentam nesse cenário bíblico: a Serpente e Eva. Verdade que há o co-participante, Adão, mas, coitado, ele foi tentado: um culpado sujeito a uma pena menor. Assim, de repente, a humanidade tem seu destino decretado: sofrerás dores e padecerás de vergonhas. Não há aqui espaço para negociação, não há espaço para compaixão. Expulso e chega. Jamais retornar ao Éden onde se postaram naquele momento e, para sempre os Querubins guardiões do prazer.

E lá se vão as delícias gozosas do Paraíso.  Instala-se o pecado palavra cuja associação pode ser feita com peccõ, do latim, cujo significado é tropeçar, dar um passo em falso.

Sim, todos tropeçamos, todos damos passos em falso no decorrer de nossas vidas. E isto não significa que não possamos levantar, mudar através da constatação de que podemos fazer melhor. Mas não é o que o drama de Adão e Eva nos apresenta. O que me chama atenção nessa estória é a ausência de responsabilidade dos personagens por seus próprios atos, ausência de comprometimento, incapacidade de se afastarem do papel de vítimas. É o não tomar posse dos próprios atos. Essa culpa que se instala em Adão e Eva é deletéria. Não possibilita crescimento e sim, dependência, medo, vergonha.

Essa culpa retrata ação sem responsabilidade. Eva prova do fruto da árvore proibida, não por própria escolha, mas por que foi tentada pela Serpente, símbolo do mal. Adão, nem sabia de nada, é incitado pela mulher, fadada a tornar-se símbolo de dissimulação e de traição pelo transcorrer dos séculos. Dois irresponsáveis, culpados e condenados eternamente a viver no sofrimento.

Pois é, na era da modernidade esse mito bíblico ainda se acende em nós já que somos produto da civilização Judaico Cristã. Se dirigirmos nosso olhar para outras civilizações e para outras mitologias, verificaremos que os mesmos motivos se repetem, porém, com finais diferentes. Há uma grande árvore, também símbolo do conhecimento e da imortalidade sob a qual se coloca Sidarta à espera de ser despertado para a luz. Há a Serpente enorme, que o protege de uma terrível tempestade, com sua enorme cabeça, servindo como um guarda-chuva.

As árvores segundo várias tradições possuem um espírito que nos incita ao autoconhecimento. Quando os Ents, pastores de árvores, que cuidam das florestas, personagens do livro “O Senhor dos Anéis”, resolvem participar do conflito entre as forças o bem e do mal, eles trazem conhecimento, pois são os seres mais antigos da Terra-Média. O bem e o mal transitam por outras tradições religiosas como partes do mesmo todo. Há possibilidade de escolha. E, se há escolha, seremos responsáveis por ela. Teremos que lutar com o monstro guardião da árvore que detém o segredo da imortalidade, ou se quisermos chamar assim, o de nossa essência imortal.

O homem nessas mitologias deve passar por provas, pois a vida é um eterno submeter-se a provas. A cada uma delas, superada, ele se torna o senhor dele mesmo. Encara o mundo dos opostos onde foi colocado e aprende a vencer suas limitações. É auxiliado pela natureza e pela divindade e seu temor não é o de um filho que deverá sofrer castigo por suas faltas, mas o do Homem, imagem e semelhança de seu criador.

A culpa não pode ajudar no processo de individuação. Ela traz medo da punição, insegurança sobre  real valor; dúvida sobre desejos; vergonha de ser feliz. Ela incentiva o ser caído, a não retornar à sua condição de ser espiritual. Ela o incita a estabelecer julgamentos falsos sobre si mesmo. E, certamente, o torna infeliz.

Edward Bach em sua procura abençoada por essências retiradas das flores, que minorassem o sofrimento emocional nas pessoas, descobriu em 1935, em Sotwell, que da flor do Pinheiro poderia ser preparado um floral para colocar em harmonia aqueles que se sentissem culpados não só pelos seus erros, mas também pelos erros dos outros. Interessante é notar que uma das simbologias do pinheiro é a da representação de homens que souberam conservar intactos seus pensamentos apesar das críticas que os cercavam. Outra aponta para o renascimento e ressurreição. Mais uma vez é a árvore que nos socorre com seu sopro curativo, afastando-nos da dor da culpa e do abandono e nos acolhendo em seus braços.

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