Relembrando Symilde



Em 1914 nas trincheiras francesas e alemãs aconteceu algo de absolutamente inesperado. Por época do Natal, franceses e alemães se uniram para comemorar a data festiva e compartilharam bebidas. Houve até visitas às trincheiras inimigas. O mais incrível é que os homens se juntaram para enterrar os mortos. Missas foram realizadas e houve música e houve paz. “Feliz Natal” é um filme que conta essa admirável estória. O diretor relata que foi possível realizá-lo a partir da pesquisa feita através de cartas enviadas pelos soldados aos seus familiares. Nelas eles descreveram o inusitado acontecimento: inimigos deixaram suas armas por uma noite, se juntaram fraternalmente e esqueceram as brutalidades da guerra. Nem os idiomas, nem as diferentes ideologias, nem o sofrimento foram suficientes para impedir a paz, mesmo que por pouco tempo. Parece que o elemento catalisador foi a música. Conta-se que um tenor alemão, voluntariamente, se apresentou para os alemães na trincheira. Do outro lado os franceses ouviram e aplaudiram. Cada homem percebeu-se então como homem. A música acordou neles a condição de humanos. E o milagre se deu.

Os seres humanos precisam de algo que evoque neles o que de melhor têm. Grandes homens na história da humanidade têm contribuído para isso.  Um deles foi Lázaro Luis Zamenhof. Ele tinha um sonho desde menino: que os homens de todo mundo se entendessem. Certamente a vida permeada por acontecimentos trágicos em que diferentes línguas e diferentes povos se chocavam e se matavam despudorada e violentamente, tenha influenciado em seu propósito. Também deve ter contribuído para isso a sua condição de judeu. O certo é que ele pensou e tornou realidade um idioma baseado no que de melhor houvesse em outras línguas, cujo objetivo seria o de unir todos os povos. Poeta, que era, preocupou-se, também, com a beleza e a estética de sua criação. Assim surgiu o Esperanto.

Pode parecer a princípio que aquilo fosse mais um exercício de ego. Alguém profundamente inteligente e criativo a apresentar ao mundo sua excêntrica obra. Mas, Zamenhof não era um homem voltado para o Ego. Muito pelo contrário ele pregava que ninguém deveria deixar de lado a sua língua pátria. Deveria estudá-la e dar valor às coisas de seu próprio país. A nova língua seria neutra e todos poderiam lançar mão dela para divulgarem coisas de sua própria cultura. O Esperanto seria uma língua de todos e de ninguém.

A meu ver, o Esperanto, assim como a música deve servir como elemento catalisador. O que importa é despertar o sentimento de solidariedade entre os povos. Esquecer picuinhas e diferenças raciais e religiosas. Perceber a essência de cada homem, inerente a ele; o que nos torna, embora diferentes, absolutamente iguais. Nesse Congresso que está para ser realizado, esperamos que o falar, o ler e o escrever a língua Esperanto não seja o mais importante. Que o evento se torne uma confraternização em prol da paz e, que a Escola Municipal Dom Luís do Amaral Mousinho, local do evento, represente a terra de todos e, não a terra de ninguém, que no filme era o espaço entre as trincheiras.

“... penso que o Esperanto não deva ser considerado ou apregoado como solução absoluta e determinante para um mundo melhor porque para que isto aconteça deverão os homens, isto sim, conscientizar-se de suas próprias atitudes e fazer brotar de dentro de si tudo aquilo a que aspiram fora de si. O Esperanto, isto sim, é o veículo ou uma língua internacional, pelo seu intrínseco significado como elo comum entre os povos, para que apoiando-se na força inigualável da comunicação sem fronteiras ou rótulos (o significado é vasto e não há necessidade de explaná-lo – todos nós possuímos a feliz capacidade de raciocínio) finalmente exista esse algo superior que equivale ao traço de união irrestrito de continente a continente, acima de qualquer distinção.” – Symilde Schenk Ledon (1995) (Não só idealistas mas Realizadores). - La Lampiro / 48-a jaro / n-ro 118 / 2.007.

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