Sapatinhos vermelhos



Era uma vez uma pobre menina órfã que morava na floresta. Todos os dias ela caminhava em busca de alimento e nesta busca catava pedaços de retalhos vermelhos para confeccionar sapatinhos. Depois de algum tempo os sapatinhos ficaram prontos e embora fosse muito toscos ela os achava extremamente bonitos. Um dia quando caminhava pela floresta uma carruagem dourada parou perto dela. De dentro desceu uma senhora de aspecto aristocrático e convidou-a a morar com ela. Na mansão foi despojada de suas roupas andrajosas e de seus sapatinhos vermelhos. Deram-lhe roupas adequadas, limpas, belas e impecáveis. Quando perguntou por seus antigos trajes e por seus sapatinhos a senhora respondeu-lhe que os havia queimado. Na casa a menina não podia saltitar nem brincar. Vivia como uma boneca. Um dia a velha senhora disse-lhe que ela deveria ser crismada. Para isso levou-a a um sapateiro aleijado para que comprasse novos sapatos. Na prateleira ela vislumbrou lindos sapatos vermelhos. Da cor da romã. Aproveitando que a senhora não enxergava direito ela comprou os sapatos e foi com eles à Igreja para sua crisma. Todos olhavam para ela, até os santos dos quadros da Igreja. A menina nem estava preocupada com isso. Na saída da Igreja um soldado com o braço apoiado numa tipoia elogiou os sapatinhos e deu dois tapinhas nas suas solas. A menina saiu dançando. E dançou, e dançou. Dançou um tango, dançou um samba... os pés não conseguiam parar. Foi preciso que o cocheiro a agarrasse e a levantasse. Assim mesmo os pés não paravam. Com muito custo conseguiram que a dança dos pés terminasse. A velha senhora retirou os sapatos dos pés da menina e guardou-os no lugar mais alto do armário. Ela não conseguia parar de pensar neles. Um dia a velha senhora ficou doente. Aproveitando o ensejo a menina subiu no armário e pegou os sapatinhos, calçando-os. Imediatamente ela começou a dançar. E saiu pela rua, e dançou pelos bosques, e saiu em direção a outras cidades. Desta vez os sapatos faziam-na dançar para um lado quando ela queria dançar para outro. Ao tentar tirá-los ela verificou que estavam grudados nos pés. Ela estava condenada a dançar para sempre. Desesperada depois de muito dançar e exausta ela dirigiu-se à casa de um carrasco e pediu que ele lhe cortasse os pés. Daí para frente ela nada mais foi do que uma menininha aleijada e muito, muito infeliz.

O final desta estória pode parecer terrível, mas é somente um alerta. Alerta para aqueles que esquecem de trabalhar a vontade de sua alma e se deixam influenciar pelos outros alterando seu comportamento. A menina, apesar de pobre e órfã estava traçando seu próprio caminho, único, confeccionando sapatinhos seus, vermelhos de sua emoção e da ação encetada para avançar na vida. De repente, deixa-se levar pela linda carruagem dourada. Perde seus sapatos originais, perde sua base. Quantos de nós não fazemos isso. Deixamo-nos levar pelo projeto do outro quando tínhamos nosso próprio projeto que haveria de exigir sacrifício, sim, mas no sentido de fazer sagrado, contatar a voz divina, permitir que a natureza nos guie. Ficamos ali, na mansão fechada, que não é nossa, cada vez mais famintos. E é tal nossa fome de alma que podemos nos deixar invadir pela raiva, pelo ciúme, pela inveja daqueles que não se deixaram vender (Holly); podemos perder a força a ponto de sermos capachos dos outros (Centaury); podemos esconder nossos sentimentos, mas abraçarmos todas as emoções a ponto de dançarmos à exaustão sem dosar, sem parar (Agrimony) ou podemos nos deixar modificar cada vez mais pelo olhar do outro, pela opinião do outro (Walnut).

Mesmo assim se perdermos os pés é possível recuperá-los. A partir de agora os que não tem pés e os que estão prestes a perdê-los podem prestar atenção às armadilhas colocadas no caminho. Podem começar não deixando calar a voz que diz: Cante o seu canto, dance a sua dança, faça o seu projeto. Aquele que nossa alma pede.

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