O que é a amizade?



Tanto se fala sobre o cultivo da amizade, como se fora plantinha regada com água fresca para que não feneça. Coisa a guardar carinhosamente do lado esquerdo do peito, para sempre e com muita atenção. Afinal, em que consiste a amizade?  Afinal, o que é ser amigo? Será fazer coisas boas para o outro? Sim. Amá-lo e protegê-lo? Sim. Fiéis escudeiros, defendê-lo de tudo e de todos? Certamente, sim. Ouvi-lo quando precisa de nós? Nem se fale. Os amigos são um bem precioso, um tesouro, uma benção? São. Únicos, caminhantes, empreendedores da jornada nessa Terra aparecem em nossa vida para nos ensinar coisas?  Certamente. São muitas vezes nossos espelhos, refletem nossas contrariedades, refletem nossos gozos e êxitos? Como não! São acima de tudo diferentes e por isso mesmo magníficos? Claro. São o Tu, permissão para que entendamos melhor o nosso Eu? É, são.

Maravilha é esse negócio de amigo. Pensemos, então, em alguns quesitos necessários para esse mister.  Disponibilidade é um deles. O ligar e dizer: preciso. O amigo responder: estou indo. Ouvidos receptivos é outro. Nada melhor do que falar do espinho que nos fere, da ferida que sangra, do dissabor recém sofrido e sentir as palavras acolhidas uma a uma, com atenção, como se empilhadas em útero úmido e profícuo. Contar sobre a alegria que nos acometeu e brindar o outro com nossa risada espontânea e cristalina, também é delicioso. Rir juntos é a melhor parte no convívio de amigos. Fidelidade é necessária. Ou seja, amigo que é constante e nos acompanha em momentos bons e ruins. Não abandona o barco em dias de naufrágio assim como permanece em dias ensolarados.

Ocorre-me, porém, que aceitação é algo imprescindível. Capacidade de olhar para as diferenças e aceitá-las é fundamental. É que não há relação que sobreviva sem liberdade e liberdade pressupõe deixar que o outro seja o que é. Explico-me. O amigo é brigão e eu sou da paz, ele é malcriado e eu sou pelas boas palavras, ele é impetuoso e eu sou meio lerdo. Puxa, que oportunidade. Talvez estejam me faltando algumas pitadas da pimenta que ele tem e esteja faltando nele o mel que há em mim. Ou talvez eu não perceba que sou pimenta e ele não perceba que é mel. Ou que ambos tenham receio de aceitar qualidades que lhes são pertinentes. Mas que ainda não vieram à tona. O importante é dizer: que venha o touro como ele é.

O amigo não concorda com o que digo? Que bom. Oportunidade boa para conversar sobre as opiniões divergentes e aprender a entendê-lo. Aprender a entender, também, que muitas vezes não queremos enxergar algo em nós e ficamos obliterados quando alguém cutuca exatamente o nosso calcanhar de Aquiles. Quem sabe da união das ideias surja um novo conceito, mais abrangente e benéfico para ambas as partes. O que vale é o aprendizado mútuo.

O amigo está meio afastado? Parece que está cansado de nós? Ótimo. Momento propício para entender que às vezes precisamos de solidão, de refúgio onde estar em contato com nós mesmos. É hora de exercitar o desapego e de entender que cada um tem sua vida interna e precisa entrar em contato com ela e nem sempre, pelo amor de Deus, precisamos estar juntos.

O amigo não é quem eu pensava que fosse? Provavelmente não é mesmo. Se para me conhecer levo anos, se é que chego lá, como posso querer que o outro seja para mim um livro aberto, cujas palavras eu leia e compreenda perfeitamente?

O amigo arrumou outros amigos e parece que tem se dado melhor com eles de que comigo. Não é hora de desesperar, nem de se sentir rejeitado. Isso é muito pertinente a crianças de escola primária que ficam de mal quando trocadas por outras. Para adultos, é momento de observar que há infinitas possibilidades de relacionamento e que aprendemos com aqueles que entram em nossas vidas. Cuidado. Talvez estejamos querendo dominar a outra pessoa, e tolher-lhe a liberdade. Que tal arrumarmos novos amigos, também? Que tal fazer uma reunião para unir os novos conhecidos?

Através de pequenas coisas, podemos exercer a verdadeira amizade. Proponho agora que respiremos fundo e que imaginemos um espaço harmonioso, nossos pés livres de sapatos, nossos cabelos balouçando por conta do vento. Vamos imaginar que nos vestem roupas leves e brancas. Pessoas chegam ao local, juntamente conosco. São várias. São amigos do passado, do presente e do futuro. É quase automático que formemos um círculo. Nossas mãos presas umas nas outras. Nossos pés estão firmes no chão, nossos corpos estão leves e soltos. Nossos olhos se encontram e não temos medo. Cada um de nós sabe que ao nos defrontar, olhos mergulhados em outros olhos, vamos encontrar a essência que nos pertence desde sempre. Lentamente, começamos a dançar. Nossa liberdade é honrada pelo respeito às individualidades.

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