Bem, vou falar
de filhos. Qual o motivo? As mães! Quando me procuram para falar de seus
filhos, na maioria das vezes sentem-se culpadas. Muitas acreditam que falharam
vergonhosamente em seu ofício de mães. Muitas, mesmo na época em que vivemos,
ainda dão ouvidos à poesia de Coelho Neto, bem escrita, mas nada animadora, que
diz que ser mãe é desdobrar fibra por fibra o coração e é padecer no paraíso.
Dão ouvidos e acham bonito. Haja coração e haja paraíso! É lindo e não é
viável. Muitas vezes o coração está estático e empedrado e o paraíso é apenas
aquele lugar de onde Eva foi expulsa.
E por acaso
cuidar de filho é empresa fácil? De jeito nenhum. Embora se diga “à boca
grande” que esses produtos da união masculino e feminino são maravilhas, nem
sempre é verdade. Ou, pelo menos é meia verdade. Vejam bem. Se os temos muito
jovens, ainda estamos lidando com nossos próprios problemas, ainda nos cutuca a
criança que ainda somos nós e que quer muito e sabe dar muito pouco. A
paciência quase sempre nem fez morada em nós. Queremos tudo muito depressa.
Estamos ávidos por vida e por realizações. Filhos são vida, mas muitas vezes
impedem o que julgamos ser realizações. Assim, se desejamos ficar cuidando
deles o futuro se dissolve, o presente se torna choros noturnos, regurgitações,
xixis e cocos diários, preocupações, medos de não dar conta, o passado entra
correndo pela porta, carregado de memórias de um tempo em que éramos livres, e
em que a ilusão de que éramos responsáveis apenas por nós mesmas nos
acompanhava.
Se os temos
muito velhos, além do risco de uma gravidez difícil e arriscada, corremos o
risco de não suportar-lhes o excesso de energia, de não acompanhá-los em seu
desenvolvimento, de não sermos suficientemente modernos para entendê-los. Se os
temos no tempo certo e no momento certo, quero dizer, biologicamente certo,
economicamente certo, psicologicamente certo ainda assim podemos não estar
preparados. Filho não é algo previsível; não sabemos o que nos caberá, nem se o
“presente” recebido será grego ou troiano. Assim como nossa mãe e nosso pai não
tinham ideia do que lhes caberia quando rebentamos no mundo, também não
sabíamos e não sabemos nós, o que nos trariam ou vão nos trazer as pequenas
criaturas.
O certo é que há
sofrimento quando temos filhos. E muita decepção. E principalmente a
constatação de que não sabemos lidar com nossas dificuldades. Estou convencida
de que filho vem com esse propósito. Através deles vemos nossas falhas, nossos
medos, nossas inseguranças, nossas incertezas, nossa pouca autoestima.
Principalmente vemos a nossa pouca capacidade de amar. Filhos muitas vezes
contrariam a lei do amor incondicional. Pode parecer louco, mas é verdade.
Alguém dirá que mães são capazes de sacrifícios enormes pelos filhos. E somos.
Se eles correrem perigo de vida muitas de nós somos capazes de entregar nossas
vidas por eles. Somos capazes de deixar de nos alimentar para dar-lhes o
alimento que nos cabia. Somos capazes de protegê-los de perigos. Tudo isso
fazemos como algo instintivo que é inerente também aos animais irracionais. Não
somos animais irracionais e o que nos pega, o que nos avassala é a constatação
de nós mesmos nas pequenas criaturas que geramos. Esse a meu ver é o maior
desafio. Aquelas criancinhas estão lá e olhamos para elas e nos lembramos de
nós e acionamos uma parte de nós que se sentiu rejeitada. Isso é muito difícil
e acreditamos que se formos mães perfeitas e se pudermos consertar através
delas o que não pudemos consertar em nós, tudo vai ficar bem. Não vai ficar!
Nós somos o receptáculo da vida o que não significa que possamos moldá-la ao
nosso bem querer. O ser que geramos é um vir a ser que desconhecemos.
Desconhecemos, também os sentimentos que despertará em nós. Se pudermos olhar
para isso, parece-me que será menor a carga de sermos mães. Se pudermos
aceitá-los como aprendizados, respeitando-os não nos sentiremos tão perdidas.
Poderemos aceitar melhor nossas falhas e as deles, pois teremos em mente o
quanto também falhamos em nossas vidas e isso nos tornará mais compassivas.
Poderemos colocar limites, pois perceberemos o quanto não os tivemos e o quanto
isso nos fez mal. Isso nos tornará mais justas. Poderemos procurar ajuda,
libertadas do papel de Supermães e isso nos tornará mais humildes. Seremos
humanas e verdadeiras. E como não é só de lágrimas o vale, poderemos curtir
nossas crianças e seus momentos de maravilha, quando se nos apresentam no esplendor
da inocência, quando nos brindam com suas perguntas engraçadas, quando nos
recordam que já fomos assim, hastes flexíveis, antenas receptoras de vida.
Vinicius de Moraes disse: Filhos, melhor não os ter, mas se não os temos como
sabê-los?
Eu diria, se não
os temos como saber-nos? Como entender os filhos que um dia fomos. Como
entender as crianças que nos constituíram outrora?
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