Mulheres-esqueleto



Recebi um e-mail que já deve ser antigo na rede. Emocionou-me. Uma menina é focada, muito colorida. Cabelos ruivos. A delícia da infância no olhar. Seu rosto doce e cheio de esperança é focado. Paralelamente outras imagens vão aparecendo. Mulheres adultas. Voltadas para a beleza, mutilando-se, operando seios, arrumando pretensos defeitos nos rostos.

A cena corta para uma moça refletida no espelho. Deve estar na casa dos vinte. Rostinho angustiado ela apalpa as coxas, e pequenas gordurinhas em volta da cintura. Não é uma menina gorda, é fofinha, diria eu. Tem formas. Nada que comprometa sua beleza e sua juventude. A câmara se afasta e mostra a pessoa que se olha ao espelho. Não é uma moça, é um esqueleto. Seguem-se várias cenas de mulheres que deixaram de comer, que se tornaram pele e osso, que alcançaram a morte por conta de uma estética absolutamente sem sentido.

Por que razão alguém aspira a tornar-se esqueleto? Por que razão alguém escolhe a morte como caminho em plena juventude? Por que alguém abre mão da carne? Por que alguém quer tornar-se desencarnado? Para alcançar a perfeição? Por que acreditam encontrá-la além do chão em que pisam? Por terem medo de viver? Seja o motivo que for um deles certamente é o afastamento da alma. A alma, que é feminina, lutando por um lugar ao sol O feminino e seu grito por um resgate. O feminino que está carente de amor, pois reverenciá-lo tornou-se algo ultrapassado. O feminino que berça, acolhe e é útero.

Honrar o feminino é ser capaz de estar inteira a despeito das mudanças e dos dissabores. É gerar, sustentar e proteger a vida. E é na carne que realizamos tais tarefas. É na “encarnação” que permitimos que nosso corpo esteja a nosso serviço. Cuidar do corpo, também é tarefa do feminino.

Há uma estória de que gosto muito. Chama-se “A mulher-esqueleto”. É uma antiga estória do povo innuit, que vive no Canadá, e é vulgarmente conhecido por esquimós.

Um homem vai pescar e de repente algo se prende em seu anzol. Ele acha que é algo grande. Quando o conteúdo vem à superfície ele se depara com um esqueleto. Ele se atemoriza. Quanto mais tenta desenrodilhá-lo, mais ele se prende.

O esqueleto é uma mulher, ela havia sido rejeitada pelo pai e jogada no mar por algo que nem ela mesma sabia. Ali estivera por anos, os peixes a comerem sua carne, abandonada e infeliz. Agora fora resgatada pelo pescador. Mas estaria ele pronto a enfrentá-la. Ele se desespera, tenta desesperadamente livrar-se dela, mas ela está presa. Ele leva seu barco até a praia, vai correndo para sua tenda, com sua vara de pescar, acha que se desvencilhou dela, mas quando ilumina sua habitação lá estão aqueles ossos. Toda presa e enrodilhada, torta, com um pé por cima do ombro. Ela fica muito quietinha, não quer ser novamente jogada ao mar. O impulso primeiro dele é livrar-se. De repente ele a olha e sente compaixão, com delicadeza ele vai entoando uma canção e recompondo aquele esqueleto. Depois cansado ele adormece. À noite a mulher-esqueleto o contempla, há uma lágrima escapando pelo canto do olho daquele homem e ela bebe até saciar sua sede. Depois ela coloca a mão dentro do peito dele e retira o coração. E bate dos dois lados do coração, como se fosse um tambor. E vai dizendo: Carne, carne, carne. Então acontece um milagre. O esqueleto vai sendo preenchido lentamente até se transformar em uma mulher cheia de carne, de seios grandes e acolhedores. O coração é devolvido e ela se deita ao lado do homem e eles ficam juntos e felizes.

Esta é uma estória de resgate do feminino através do amor e da compaixão. Através da delicadeza de um homem que lida, certamente, com uma anima saudável e adequada. Um homem feminino. Capaz de acolher e de aceitar. Capaz de doar alimento, de matar a sede, de oferecer seu coração. Fala também da capacidade de aceitar o que não é belo em nós mesmos. De cuidar de nós quando estamos feios e inadequados. De olhar para nossos defeitos com compaixão. De cantar uma canção toda nossa, encontrada em lugar recôndito e sagrado onde residem deuses e deusas capazes de amar.

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