Um rei tinha
três filhos e era chegada sua hora de morrer. Nas estórias de fadas os reis
normalmente sabem quando vão morrer e não se preocupam. Chegou, chegou. Pois, é
chegado o momento do rei. Algo há com que ele se preocupa. Precisa passar o
reino para um de seus filhos. Dos três qual escolher? Tomada de decisão
difícil! O terceiro filho é meio bobão, vive no mundo da lua. Seu nome é João
Bobo. O rei pensa que João Bobo não é um bom candidato, porém se ele quiser ser
justo deve incluí-lo na sucessão. Ele chama os rapazes e diz que dará a
sucessão do trono a quem lhe trouxer o mais lindo tapete. Sopra três plumas e
diz-lhes para irem na direção em que elas voarem. Uma voa para o oriente, a
outra para o ocidente. A terceira sobe e cai no chão. É a pluma do tal de João.
Ele se senta no último degrau da escada onde está pousada a pluma. Está
cabisbaixo e acredita ser um péssimo candidato. De repente vê ao lado da pluma
um alçapão. Ele o levanta e depara-se com uma escada. Desce, e lá embaixo, bem
embaixo, está uma sapa grande e gorda rodeada de sapinhos. Conta a ela sua
estória e ela lhe entrega o mais lindo tapete já visto nos quatro cantos do
mundo. Os irmãos trazem tapetes rústicos e João Bobo ganha deles. Os príncipes
pedem novas provas e João Bobo vai ganhando todas com a ajuda da sapa. Traz o
anel mais belo, a mulher mais bela e acaba por ser eleito o melhor.
Este é um conto
de fadas muito interessante. Podemos pensar no velho rei como uma metáfora para
os conteúdos dentro de nós que já não nos servem mais. É hora de ir embora,
porém nem todos temos a facilidade que o rei tem para morrer e muito menos para
passar as rédeas de nosso castelo para as mãos de outros. Quando dizemos outros
estamos falando de uma parte estabelecida entre o que o meu mundo externo vai
trazendo como experiência e o meu eu interior. Eu observo, associo e trago tudo
para dentro de mim. Percebo então que é preciso mudar. É preciso dar lugar a um
modo de pensar novo, a um jovem modo de ser. No princípio estabelece-se uma
confusão: De tudo o que aprendi, de todas as coisas que me foram apresentadas,
qual melhor me servirá? Qual cuidará melhor deste castelo precioso que sou eu
mesma? A tarefa é de discernimento. Dos filhos que me habitam qual estará mais
apto a cuidar-me?
Os dois
primeiros príncipes saem pelo mundo. Eles acham que vão vencer o irmão tolo.
Enxergam apenas o que os olhos físicos podem alcançar. A beleza real, aquela
que transcende um simples olhar não os tocou. Eles não se permitiram perceber.
Ademais agem por impulso. Já que julgam sem refletir, subestimam o irmão mais
novo. Trazem um tapete feio e tosco, um anel feito de madeira, camponesas
rudes. O propósito é apenas o de cumprir as tarefas. As portas que levam ao
tesouro não se abriram e jamais se abrirão para eles.
João Bobo é
diferente. Ele para, reconhece a dificuldade, pede ajuda e a aceita. Permite-se
ficar à mercê de algo que não compreende. Ele vê o alçapão e pode abri-lo e
entrar em contato com um mundo rico e mágico que vai ajudá-lo a viver no real e
no palpável, algo digno de ser vivido. Ele trará o tapete mais bem tecido, o
anel do mais puro ouro, a mais bela esposa e também a mais flexível. João Bobo
tornar-se-á o filho escolhido. Quando chegar a hora de nossos reis
morrerem a quem elegeremos como sucessores?
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