Parei
o carro em um semáforo da Nove de Julho, lá onde costumam ficar os jovens que
passaram no vestibular. Fazia um calor de rachar, eles estavam pintados,
suados, cansados, suplicando por uns trocados, açulados por aqueles, mais
velhos, que já haviam passado pela mesma experiência, em anos anteriores.
Lembro-me de num primeiro momento ter pensado na desumanidade da cena, no
sadismo de alguns, ali, com seus “bichos”, à disposição de suas vontades.
Pensei, também, nos calouros que já sofreram ferimentos, que já foram
vitimados, que foram colher louros e receberam espinhos. Em um primeiro momento
imputei à cena a pecha de inútil e sem sentido. Afinal de contas para que
servia todo aquele sacrifício? Para agradar a alguns, para sentir-se admitido,
para, apenas, juntar algum dinheiro e beber cerveja. Ops! Pagar cerveja, para
veteranos.
Então me dei
conta. Sacrifício, sim. Sentir-se admitido, sim. Rito de entrada, talvez
deturpado, mas ainda assim, trazendo em seu bojo a necessidade de lidar com um
momento difícil, que exige modificação muitas vezes radical. Os meninos/
meninas estão sendo preparados mesmo que não saibam. A lição a ser aprendida é
a de que há um momento em que devemos ingressar na vida adulta. Devemos
aprender a lidar com frustrações. Devemos aprender a lidar com a dor, com a perda.
Então em certo sentido parece que está tudo certo ali no cenário montado na
Avenida Nove de Julho. Ao iniciado estão sendo mostradas regras de obediência,
quebras de orgulho, superações físicas. Trata-se da passagem da fase de
dependência, para a fase de responsabilidade. Há compromisso a ser honrado, há
temor de não o honrar, pois não se trata só de uma tarefa pessoal.
Mas, percebemos
a intenção por detrás da cena? Não. Os rituais cada vez menos nos interessam ou
pelo menos cada vez mais alegamos não precisar deles.
Talvez nós
tenhamos afastado deles, já que nos consideramos tão racionais, mas eles
permanecem em nossas cerimônias, mesmo que não atentemos para isso. E nos
chamam como elementos organizadores, para que percebamos nossa função na
sociedade. Eles não estão somente a serviço do indivíduo. Ele, o
indivíduo é chamado, sim, a cumprir uma função. Porém essa função beneficia o
todo. Entender isso apenas mentalmente, muitas vezes não basta, pois no campo
da mente tendemos à deturpação. É como imaginar uma grande tapeçaria onde
queremos colocar o que nos interessa. Podemos moldá-la na nossa mente como
quisermos, pois temos elementos para isso. Temos o conhecimento. Só
conhecimento não basta. É preciso entender. Diferente se transferirmos para a ação
o que tão bem prefiguramos na mente. Então, nossas mãos envolvidas no trabalho,
as linhas, as lãs, as cores, as sensações, o silêncio, a organização colocada à
altura de nossos olhos por artes do coração: de repente entendemos em um nível
mais profundo.
Lá, na Avenida
Nove de Julho, uma das avenidas principais de Ribeirão Preto, estavam presentes
a necessidade de união, de solidariedade, de confraternização, de entendimento
de um momento novo. O ritual de entrada, mesmo que não compreendido, sobrevive
e nega o caos.
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