Desta hora tenho medo



Carlos Drummond de Andrade escreveu em sua obra mais bem elaborada “A Rosa do Povo” um poema chamado Anoitecer que fala sobre o medo. È um poema de reflexão existencialista que trata de temas relativos à solidão, à angústia, à incomunicabilidade entre seres humanos. Dentro da Rosa do Povo, que é uma obra de visão redentora, este é um poema pessimista. Fala de um estado de coisas que não se sustém mais. Algo pertencente a um passado talvez não tão longínquo e que fornecia abrigo e sustentação. Algo conhecido, passível de ser entendido, amigável. Hora, diz o poeta, em que o sino toca, em que o pássaro voa, hora de descanso, hora de delicadeza, gasalho, sombra, silêncio...

Mas as coisas mudaram. Não há mais sinos, há muito se foram os pássaros; o descanso vem tarde e o poeta duvida se há espaço para delicadeza no mundo. O som de sinos foi substituído pelas buzinas, pelas sirenes roucas, pelos apitos; os pássaros não retornam mais, as multidões compactas, sem forma, impregnam o lajedo; os corpos não pedem sono. Pedem paz, morte, mergulho no poço. Agora é a hora dos corvos, bicando o passado, o futuro, condenando o eu-lírico ao degredo. Neste mundo de antíteses, nesta substituição do conhecido e protetor para o desconhecido e amedrontador só resta ao poeta  ter medo. O mundo anoiteceu, o futuro não traz possibilidades. Desta hora, ele diz, tenho medo.

Escolhi este poema por que o relacionei com os acontecimentos de meados de maio. O Estado de São Paulo sob o domínio do medo. São Paulo, a grande cidade, parou. Parou a grande cidade que jamais deixa de mover-se. No metrô, às oito horas da noite, cinco pessoas! O metrô de São Paulo, vazio! Nenhum ônibus na rua. O medo instalou-se. A morte utilizou sua foice curva e abateu criaturas sem critério e sem piedade. Onde a hora de paz? Onde a segurança das casas? Onde o apoio das autoridades competentes? A quem culpar? Desde quando estamos caminhando para este anoitecer que se instalou naqueles dias?

Muito questionamento a fazer. Mas há algo a que devemos estar atentos. Esquecemo-nos rapidamente das coisas ruins. Temos a capacidade de retomar nossas vidas como se nada tivesse nos acontecido. Somos um país pouco sério, como já dizia  Charles De Gaulle. Não creio que ele quisesse ofender-nos, mas captou com muita propriedade este nosso tal de jeitinho. No fim tudo dá certo pra nós. Observamos tudo e de tudo fazemos piada. Talvez tenhamos sofrido pouco em nossa história. Ainda não temos a noção clara do que é ter medo realmente, do que significa estar realmente abandonados como barcos sem leme. É muito bom ter humor, muito bom não se entregar ao desespero. Precisamos, porém, de seriedade. O que está acontecendo em nosso país é tenebroso, caminhamos para o caos. Desta vez não podemos perder a memória nem afogá-la em copos de cerveja. Ao contrário devemos usá-la para buscar soluções. Da hora da indiferença é que devemos ter muito medo.

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