Um velho amigo
meu, um Padre Irlandês, de passagem pelo Brasil, a serviço de Deus e de suas
almas me disse uma vez que não acreditava em milagres. Lembro que conversávamos
sobre algo que me atrapalhava, coisa para qual eu não achava solução. Eu
afirmei que só um milagre poderia dar jeito em meu problema. Meu amigo me olhou
firmemente e disse, com todas as palavras: Eu não acredito em milagres.
Confesso que
fiquei pasmada. Escandalizou-se em mim aquela parte que acredita em frases
feitas, em conceitos que se enraízam com o tempo e parecem inquestionáveis:
Padre tem que acreditar em milagres.
Naturalmente o
questionei a respeito daquilo que eu considerava um disparate.
E ele me
explicou: Milagres não existem. Pelo menos não como as pessoas esperam que
existam. Muitas delas acreditam em um Deus, lá em cima, plantado num trono, à
espera de pedidos, para que Ele os atenda. Elas pensam que não é preciso fazer
nada. Apenas esperar. Só pedir e acreditar. É cômodo! É colocar-se na mão do
outro, mesmo que esse outro seja “O OUTRO”.
Mas, argumentei:
Colocar-se na mão de Deus não se chama fé. E, não é a fé que remove montanhas?
Sim, a fé remove
montanhas, respondeu meu querido amigo. Preciso é, porém, andar a cata dos
instrumentos necessários para remover a montanha, depois utilizá-los, fazer o
trabalho e ter perseverança se a coisa andar lerda. Se tenho uma doença maligna
devo procurar um médico para tratar-me, devo tomar os remédios, devo buscar
dentro de mim a causa daquela doença e devo ter paciência se a coisa não
acontecer do jeito que eu espero. Eu acredito em ação e acredito em
compromisso. Se quero que o campo frutifique tenho que trabalhar a terra, se
quero me tornar conhecido como escritor, tenho que escrever o livro. Tenho que
providenciar boas sementes e adubar a terra e regar os brotos, tenho que
aprender a língua mãe, da qual vou me utilizar para escrever, tenho que
dominá-la, tenho que entender do tema. Mesmo rezar exige ação e
comprometimento. Não basta orar mecanicamente como um papagaio ensinado. Tenho
que entender as palavras, deixar que elas se agarrem em mim, usá-las como algo
que desperta em mim a vontade de ser e de fazer algo, a vontade de ser
abençoado por algo. Como um instrumento bem tocado a oração modificará padrões
e algo surgirá daí. Veja, eu sou padre há muito tempo e foi preciso muito para
que eu aqui chegasse. Estudei com afinco, orei muito e agi muito.
E assim falou
aquele representante da Santa Madre Igreja, naquele frio dia de inverno,
daqueles que só São Paulo sabe ter. Eu continuei a achar esquisito, mas não
deixava de fazer sentido.
Hoje, concordo
com ele. Não basta dizer que temos fé. Se nos sentamos à beira do caminho, à espera
de algo pelo qual não lutamos, mais provável é que envelheçamos ali sem atingir
o que almejávamos. Ação e comprometimento são grandes companheiros da fé. Digo
mais: se tenho algo a fazer e coloco meu projeto em execução e vejo a coisa
fluir e andar e produzir, a minha fé se apresenta. Pois percebo do que sou
capaz e me fortaleço e me predisponho a agir de novo e a colher novos frutos.
Este é o milagre que existe. Está na possibilidade de agir e de se empenhar na
ação. Algo que já se encontra em nós. É potência. Basta que seja acionado.
Vejamos por
exemplo nas terapias. Pessoas procuram por tratamento. Estão mal, estão
deprimidas, estão passando por momentos de transição em suas vidas. Querem, com
toda razão que as coisas mudem. Aí, procuram por alguém que as ajude, procuram
por um terapeuta, aquele que trata, que ajuda a curar doentes. Isso é ação. A
própria busca pela cura já é um movimento em função de estar bem. A ação está
acontecendo. O problema é que querem magicamente sarar. De preferência em um estalar
de dedos. Tal não acontece. Elas não se comprometem e esperam outro tipo de
milagre: o que vem através dos outros. E o milagre, naturalmente, não vem. Elas
se tornem vítimas ou se rebelam e ficam ressentidas. Às vezes chegam à
conclusão de que Deus não ouviu as suas queixas.
Todo tratamento
pressupõe um olhar mais amplo. Se meu coração não está bem no mínimo tenho que
perceber os hábitos que adquiri na vida para que o pobre músculo tivesse
chegado ao estado em que se encontra. Tenho também que me perceber
emocionalmente. Que emoção deixei de viver, que emoção guardei camuflada dentro
de mim? O que me diz meu coração? Diz como Chico Buarque de Holanda, que ele é
um pote de mágoas em que a mínima desatenção pode ser a gota d’água? Diz que eu
me sinto escrava da vida e que não sei mais ser feliz? Que coisa diz o meu
pobre coração fragilizado? E ao perceber o que ele diz devo ser o responsável
pelos meus atos. Se meu pote transbordou, quanto me esqueci de minhas
necessidades e fui além de meus limites? E se meu coração endureceu quanto
deixei de viver por medo de ser afetado? E lá vamos nós com nossas vidas às
vezes difíceis, às vezes nem tanto. Às vezes, mais frágeis, às vezes portadores
de uma força que desconhecíamos.
Porém não basta
apenas questionar. É preciso mudar a alimentação. Mudar os hábitos. Buscar na
vida o que pode nos fazer mais felizes e atacar de frente o problema. Novamente
ação e compromisso juntos.
Existe uma
crença indígena sobre possuirmos um remédio original, único, que nos pertence, do
qual podemos lançar mão quando precisamos ser curados. Esse remédio foi
ofertado pelo Grande Espírito. Porém o remédio não atua apenas pela invocação
de seus atributos. Atua conjuntamente com nossas manifestações físicas, com
nosso trabalho e com nosso esforço. Isto sim é milagre.
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