Inocência sem culpa



As coisas se desintegram: o centro não pode mais resistir; a pura anarquia está à solta no mundo. A escura maré tinta de sangue está à solta, e por toda parte. A cerimônia da inocência se afoga... - W. B. Yeats

As pessoas vivem dizendo que ser criança é uma maravilha, mas nem sempre. Talvez ela o seja em sua potencialidade. Como crianças podemos ser tudo. Nossos corpos jovens estão começando a viver, nossas mentes ainda não estão contaminadas pelas ideias e opiniões dos outros. Somos um vir a ser e isto, por si só, é positivo. Porém, estamos sujeitos a influências de todos os tipos. Somos argila que se bem trabalhada, transforma-se em objeto de arte, algo que tem contorno definido. Podemos, também ser massa sem forma, sujeita a variações medíocres. O infinito se apresenta à nossa frente, mas para que dele possamos extrair vantagens é preciso que tenhamos um entorno saudável o que implica em pais equilibrados. Pais que tratem suas crianças como crianças. Isto envolve ter respeito pelas coisas em seu devido tempo. Envolve ritmo. Coisas que temos perdido no decorrer do que chamamos de evolução. Já na barriga da mãe o bebê sente esta ruptura. É preciso nascer e desocupar espaço. É preciso parar de mamar ou sequer ser amamentado porque não há tempo a perder, sem contar com a preocupação com seios perfeitos. Depois é preciso mandá-los para as escolinhas porque precisamos trabalhar e não há tempo. Quando maiores é preciso encher-lhes a vida de atividades para que se cansem muito e não nos peçam nada. Temos uma vida lotada, temos regras para o que envolve as ações externas, mas não ouvimos mais a voz da natureza. Aliás, segundo alguns, o planeta anda com o coração disparado. Perdeu, coitado, o ritmo!

Ocorreu-me que como escreveu, em 1920, William Butler Yeats, poeta irlandês, nascido em Dublin a nossa inocência se afoga por toda parte. Afoga-se pela culpa. Afinal temos que fazer tudo em tempo curto. Temos que ser o que há de melhor, já que a competição é feroz e implacável. Temos de cumprir com nossos deveres. Temos e temos. Estamos endividados com o mundo e esta dívida não se extingue, não há como pagá-la. E causamos danos a nós mesmos porque passamos a acreditar que podemos controlar nossa vida apenas através de nossas mentes afogadas por galopantes pensamentos.

Falta-nos a percepção de um centro interno onde de fato reside a parte mais importante de nós. Aquela que se identifica com a criança saudável. Aquela que substitui a culpa pelo prazer de estar viva e de acreditar que somos agentes de mudanças para melhor.

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